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LENY EVERSONG E ARTISTAS DO RADIO NO RIO DE JANEIRO
16-06-1990
Quando eu comecei a frequentar os auditórios das estações de rádio do Rio de Janeiro — Nacional, Tupy, Tamoio — já estavam entrando em decadência (nos anos 50 do século XX). Ainda existiam fanzocas e macacas-de-auditório, empregadas domésticas dormiam na fila para comprar entradas do Programa Paulo Gracindo ou do César de Alencar.
Eu ia com colegas, sem muito entusiasmo. Já estava seduzido pelos samba-canções de Dolores Duram e, logo depois, fascinado com a bossa-nova de João Gilberto e o rock do Little Richard.
Mas em 1956 e 1957 ainda eram as cantoras do rádio as rainhas do espetáculo. Assisti a todas elas — Linda e Dircinha Batista, Doris Monteiro, Carmélia Alves, Nora Ney, a endeusada Dalva de Oliveira, a queridíssima Emilinha Borba e a sua rival Marlene, a sanfoneira Adelaide Chiozzo, além de figuras mais populares como Zé da Zilda e Zilda do Zé, Blecaute, Jamelão, Pato Preto, Marinês e regional, Jackson do Pandeiro, Alvarenga e Ranchinho, e a voz inconfundível de Jorge Veiga.
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Francisco Alves, o Rei da Voz e Carmem Miranda já eram coisa do passado...
Maysa Matarazzo e logo em seguida despontariam como sinal de renovação, já na trilha da pré-bossa nova, em que mantinham-se estrelas já consagradas como Elizete Cardoso e Dolores Duran.
Era uma fase de transição entre a Velha Guarda e a Bossa Nova, do fim do Governo.
Eu escrevia uma coluna dedicada às diversões em um jornal de Nova Iguaçu. Entrevistava estrelas... Emilinha afirmou que o rock´n´roll seria, fatalmente, uma moda passageira...
Dalva de Oliveira ainda reinava embora, por muitos, já fosse considerada coisa do passado. Mas atraía público fiel aos seus programas.
Foi quando eu conheci Leny Eversong. Era uma cantora excepcional, com um vozeirão jamais superado no Brasil.
Cantava na Radio Tupy, sob o patrocínio de uma marca de champanha, e o repertório ia de “Granada” a “Jezebel”, de sambas tipo exportação aos sucessos do jazz, sem descuidar as indefectíveis canções italianas e francesas, nas línguas originais ou em açucaradas versões brasileiras.
Mas a interpretação era puríssima, impecável, afinadíssima.
Em 1957 ela viajou para Miami (USA) e a La Havana. Sierra Maestra e Cuba eram o paraíso do turismo para os norte-americanos. Cantou no Thunderbord e no Tropicana.
Teve a gentileza de enviar-me fotos de suas apresentações (que eu reproduzi no jornal) e muitos cartões-postais para a minha coleção!!!
Cheguei a hospedar-me em casa dela, em 1959. Morava em um confortável casarão em São Paulo, com o marido bonitão e o filho. Era uma simpatia, com aquela extroversão e alegria típicas dos gordos, com um rosto bonito e suave. Não muito tempo depois o marido foi assassinado. Parece que foi vítima de um assalto. Ela teria andado desesperada até encontrar o cadáver dele.
A morte dela aconteceu em seguida, quando estava ainda na casa dos 40 anos, muito jovem. E entrou no esquecimento...
Surpreendentemente foram relançadas alguns de seus maiores sucesso em um álbum-duplo. Uma preciosidade. Uma seleção muito eclética, variada mas, em todas as interpretações, a perfeição. Seu talento fica patente tanto em uma versão romântica e piegas como “La Novia” quanto no magistral “Mack the Knife”, de Brecht & Weiss, em que exibe todo o seu virtuosismo.
Nunca chegou a ser popular, mas tinha admiradores aqui e lá fora.
Comprei os discos com uma certa emoção e uma certa anarquia. Carlos Alberto, meu amigo naqueles tempos, nunca ouvira falar dela, em toda a sua vida! As novas gerações a desconhecem por completo e é pouco provável que chegue a ser do interesse deles.
Em um país predominantemente de jovens como o nosso, em que não há o culto ao passado e às pessoas têm memória tão curta, os ídolos são devorados, consumidos em uma geração... Poucos nomes sobrevivem. E sobrevivem mais na literatura do que nas estações de radio e “pelo mais vendido”. O melhor artista é o que vende mais e mais e obtém discos de ouro ou de platina...
É assim mesmo. Nem importa que seja assim. Mas bem que poderia haver espaço para aqueles que abriram caminho, que renovaram e ajudaram a desenvolver e consolidar a MPB, em todas as épocas.
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